segunda-feira, 22 de março de 2010

Sem título

     Um homem, sentado a frente de alguns bons amigos numa noite de bebedeira, lê uma história de um menino que gostava de sua professora de Língua Portuguesa e que havia feito uma redação sobre suas férias.
Após escrever o texto, no entanto, ninguém o havia lido. O menino, então, no caminho para a escola, resolveu tentar mostrar para alguém que encontrasse pela rua a sua pequena redação. Entre os passos apressados da cidade no começo da manhã cutucou um, chamou por outro até usando um protocolar "senhor", puxou pela mão de uma senhora, mas todas as respostas se resumiam, ou a uma indiferença, ou a uma preocupação com a bolsa. Entre todos os nãos recebidos debaixo de um sol que já o fazia suar, o pequeno caminhava olhando pra cima, como que escolhendo entre os rostos ainda emburrados de sono, uma criatura que tivesse um destino tão pagão quanto o seu naquele dia, visto que Pedro ( este talvez fosse o nome dele ) estava decidido a refazer sua redação, ou seja, não ir para a escola, caso um adulto dissesse que sua composição não seria bem recebida pela professora de Português.
Olhando pro alto o menino seguiu descobrindo humores na pessoas, até que, atravessando a rua avistou um homem sentado à calçada. O homem olhava o menino aproximando-se. O menino olhava o homem, agora sem ser obrigado àquele desconfortável esticar de pescoço. Dispostos cada um do seu lado, a criança e o homem, um pequeno diálogo atencioso se travou:
- O senhor quer ler uma coisa que eu fiz ? ( O menino falou sem paciência para arrudeios )
O homem imediatamente retrucou que não sabia ler, ao que o menino replicou: " Pois eu sei. O senhor quer ouvir ? É porque eu quero saber se a tia vai gostar. Eu leio pro senhor..."
O homem balançou a cabeça afirmativamente, depois ficou a apontar pro chão seu olhar estático, como  se as palavras corressem pelo asfalto. Ali mesmo o menino começou a ler seu texto, ensaiando pausas entre as palavras, lendo em tom de recital, apoiando o caderno minúsculo entre as duas mãos e o antebraço. Segurava tão firme a parte superior da folha ( fazendo a pauta dobrar-se) que a marca de seus dedos um pouco sujos arrastou-se por cinco retas na folha.

Minhas férias eu gostei mais do que no carnaval.
A preguiça e a mamãe viajaram e eu fiquei com a tia Zilda.
Eu gosto de morar com a tia Zilda.

Ao redor do seu texto, o menino desenhou um caminhão, uma tv, uma bola, um coração, um MAMÃE  em letras de forma, um picolé, a escola e dois bonequinhos de palito com a indicação superior de mamãe e preguiça.
Quando terminou de ler, olhou para o homem, tirando a cabeça do papel devagar. percebeu então que o homem cutucava o asfalto com um palito de picolé. Os motores, as buzinas e a manhã emburrada de sono passavam.